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08/04/2014

A Copa do Mundo e as áreas de restrição comercial

A pouco mais de dois meses para a Copa do Mundo, persistem as dúvidas quanto às áreas de restrição de circulação e comércio próximos aos locais oficiais da competição. A Lei n°. 12.663, de 5/06/2012, conhecida como Lei Geral da Copa, além de reconhecer a propriedade exclusiva da Fifa sobre os símbolos oficiais da Copa e sobre todos os direitos relacionados a imagens, sons e outras formas de expressão do evento, prevê o estabelecimento de áreas de restrição comercial, em que seria assegurado à instituição exclusividade para “... divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda dos produtos e serviços”.

Segundo o texto, as Áreas de Restrição Comercial podem ocupar um perímetro de até dois quilômetros ao redor dos Locais Oficiais de Competição, incluindo as vias públicas de acesso. Importante destacar que estão abrangidas pelas restrições não apenas as áreas próximas aos estádios em que ocorrerão as partidas do torneio, mas também as que circundam os centros de treinamento, centros de mídia, centros de credenciamento, áreas de estacionamento, áreas de transmissão de partidas, áreas oficialmente designadas para atividades de lazer destinadas aos fãs, “... bem como qualquer local no qual o acesso seja restrito aos portadores de credenciais emitidas pela Fifa ou de ingressos”.

O objetivo dessa medida é proteger os patrocinadores, que injetaram recursos para tornar o evento possível, coibindo e reprimindo o que a lei chama de “marketing de emboscada”, que é definido como a associação ao evento “Copa”, por empresas não patrocinadoras, para obtenção de benefício econômico.

Por isso, restaram proibidas, nas referidas áreas, a prática de atividades publicitárias em geral, a atuação de vendedores ambulantes e cambistas, a utilização de carros de som, de veículos com marcas de empresas não patrocinadoras, a afixação de material publicitário e a distribuição de produtos promocionais.

Embora a Lei Geral da Copa estabeleça que a restrição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos comerciais, desde que atendidos o disposto no art. 170 da Constituição Federal, ela não dá mais informações sobre como conciliar as limitações da Área de Restrição Comercial com o desenvolvimento das atividades pelos empresários. Não há nem sequer definição do período de tempo em que vigorará a restrição – se apenas durante as partidas ou nos dias das partidas, por exemplo, ou durante toda a duração da Copa ou mesmo antes e depois dela. Também não há indicação de como os estabelecimentos que não se vinculem aos patrocinadores do evento poderão desenvolver suas atividades, sem prejuízo ao direito de concorrer livremente.

Alguns esclarecimentos sobre a forma como a Fifa interpreta a questão podem ser obtidos numa cartilha disponível no site da entidade. Segundo o encarte, os estabelecimentos já existentes e regularmente instalados poderão continuar a operar; suas atividades, contudo, devem ser condizentes com as práticas passadas e não podem implicar promoção de suas marcas ou das marcas de não patrocinadores. É permitida a utilização de “... estratégias para entrar no clima da festa e atrair seus clientes – como a decoração de seus estabelecimentos com motivos de futebol, tais como bolas, bandeiras dos países participantes das competições”, mas é vedada a utilização de itens específicos relacionados à competição como as expressões “2014” e “Copa”, além dos Símbolos Oficiais.

Uma questão que não é prevista na Lei Geral da Copa e é indicada no encarte da Fifa é a criação de um perímetro de segurança, que não coincidiria com as áreas de restrição, em que haveria necessidade de fechamento de qualquer tipo de estabelecimento comercial localizado nessa área durante a competição.

Nesse perímetro, o acesso somente seria autorizado com a apresentação do ingresso ou credencial, sendo inclusive proibida qualquer atividade comercial. Não há sobre o tema qualquer especificação relativa a horários, datas e extensão da área que ficará restrita. A ausência de regulamentação sobre o tema não só pode justificar uma restrição excessiva, mas também causar sérios prejuízos aos empresários que forem atingidos pela medida.

As sanções previstas para o descumprimento das prescrições legais vão desde a reparação civil pelos danos, os lucros cessantes e qualquer proveito obtido pela prática das condutas proibidas, até a incursão do infrator em tipos penais, com pena de detenção de um mês até um ano ou multa, nos casos de utilização indevida dos símbolos oficiais e da prática do “marketing de emboscada”. A pena de multa poderá ser majorada ou reduzida em até 10 (dez) vezes, de acordo com as condições financeiras do infrator e a extensão da vantagem indevidamente obtida. Os tipos penais terão vigência até 31/12/2014, mas não há na lei qualquer indicação de como ocorrerá a fiscalização ou de quem terá competência para tanto.

Diz a lei que as Áreas de Restrição Comercial não prejudicarão as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, “... desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal”. Ao que parece, porém, há uma incoerência entre a disposição legal e a constitucional, pois o art. 170 da Constituição é justamente aquele que consagra os princípios gerais da ordem econômica, entre os quais os da livre iniciativa e da livre concorrência, que compreendem, naturalmente, a liberdade de divulgar seus produtos e serviços, para buscar a adesão dos consumidores. Há, por isso, no mínimo, boas razões para discutir a validade das disposições da lei.

por Cintia Luiza Tondin, advogada e pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Fonte: Gazeta do Povo

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